Não Quero que Vá Lá!

Faltavam poucos quilômetros para chegarem ao destino de suas férias. O casal estava ansioso, pois ficariam totalmente distantes da cidade. Escolheram a fazenda do amigo de Henrique, ficariam as férias inteiras.

Meia hora depois, enfim, estavam no destino. O amigo de Henrique já estava no portão, havia decorado horários em que possivelmente chegaria até sua fazenda.

Henrique logo sorriu ao ver seu amigo do qual não via há meses, a distância os atrapalhavam. Um acenou para o outro e Henrique seguiu a pequena estrada em direção a fazenda. O amigo seguiu logo atrás em sua caminhonete. A esposa de Henrique, Rosandra, estava ansiosa para conhecer o local, já que é apaixonada pela natureza.

Logo chegaram.

— Aqui é muito lindo! Já disse para Henrique que futuramente quero comprar uma fazenda para essas ocasiões, morar em lugar agitado às vezes só nos deixa doentes. - disse Rosandra, logo após sair do carro, olhando ao redor com toda cautela, sem perder nenhum detalhe.

— E está certíssima! Cidade grande é pra qualquer um, não, prefiro esse silêncio, essa calma. - respondeu Wagner olhando o horizonte.

— Mas deve dar muito trabalho caso precise coisas que só encontram na cidade. - disse Henrique encostando em seu carro.

— Prefiro esse trabalho do que morar em cidade grande, não é pra mim de jeito nenhum. E aqui consigo ser eu mesmo. - respirou fundo ao dizer tais palavras.

Henrique ficou pensativo, mas deu de ombros. Conversaram por mais alguns minutos e entraram. A casa era humilde, de tamanho médio, o suficiente para quatro pessoas morarem. Os móveis foram feitos pelo próprio proprietário, tudo em tons de cinza. No total, haviam cinco quartos, um feito recentemente. Conheceram toda a casa e escolheram onde dormiriam nos próximos dias, pegando suas malas em seguida.

Após conversarem por mais um tempo, resolveram descansar e Wagner aproveitou para terminar sua tarefa, já que deixará a fazenda aos cuidados do casal enquanto estiver em outra cidade a trabalho. Desejou-lhes bom descanso e seguiu para o celeiro.

Ficou pelo menos duas horas, trancado, deixando as coisas em ordem para que o casal não precisasse entrar no local. Cuidou de cada animal e por último, sua tarefa principal, que lhe ocupa por maior tempo e requer todo o cuidado. Tarefa quase finalizada, a última etapa faria antes de ir, pois estaria escuro e ninguém o veria. Se lavou ali mesmo e saiu sentindo-se um pouco tenso, mas confiante.

Voltou para a sua casa e foi preparar o almoço antes que seus convidados acordassem, mas Rosandra estava desperta, sentada no sofá, assistindo a uma novela para se distrair, o que era impossível de se fazer em seu dia a dia. Wagner ficou sem graça, pois pensava que os dois ainda estariam dormindo, acenou com a cabeça de modo tímido, disse que já estava indo preparar o almoço.

— Quer que eu o ajude? - perguntou Rosandra já se levantando.

— Agradeço de coração, mas não se preocupe, vocês são visitas aqui, descanse. - respondeu virando as costas em seguida.

A moça, desconfiando, pensou um pouco e voltou sua atenção para a pequena tela e assistiu ao restante da novela. Levantou-se se espreguiçando, desligou o aparelho e foi até o quarto ver se seu marido havia acordado.

Henrique estava terminando de se vestir, após um longo e relaxante banho. Rosandra fechou a porta e se jogou na cama, esperando pelo seu marido, que se aproximou e lhe deu um beijo longo, puxando-a em seguida para que se levantasse.

— Está há quanto tempo acordada? - perguntou enquanto penteava seu cabelo.

— Uma hora. Estava na sala assistindo novela, ia dar uma caminhada, mas preferi te esperar.

— Estava precisando desse descanso. - disse sorrindo e puxando sua esposa para si. — Vamos, estou morrendo de fome e esse cheiro está maravilhoso.

—  Ele começou a preparar agora, aguenta mais um pouco. - riu da expressão de decepção do seu marido.

Saíram do quarto e seguiram para a cozinha. O cheiro estava extremamente bom, Wagner cumprimentou seu amigo assim que entraram na cozinha.

— Dormiram bem? - perguntou sem olhar para trás, focado em uma das panelas.

— Dormimos, sim. Há muito tempo que eu não dormia em lugar tranquilo, foi até estranho. - respondeu Henrique se sentando na cadeira que ficava de frente para o fogão. Rosandra sentou-se ao lado.

— Foi um ótimo descanso! Lugar maravilhoso aqui, Wagner.

— Aqui é realmente bom. Tem cerveja na geladeira, podem pegar sem pedir, sintam-se à vontade. - falou terminando uma das panelas.

Enquanto bebiam, conversaram sobre tudo. Rosandra sempre ficava atenta, desconfiava de algo. Devido a sua profissão, se tornara muito observadora, atenta. Henrique perguntou do celeiro, o lugar que mais gostava das fazendas, mas Wagner mostrou-se incomodado ao escutar seu amigo, mas foi discreto.

— Poderia nos mostrar depois, sabe que gosto desde criança.

— Talvez levo vocês lá, não dou certeza, está muito bagunçado lá. O almoço está pronto. - colocou os pratos na mesa e os deixou se servirem primeiro. A moça logo notou seu desconforto em falar sobre o tal lugar.

Almoçaram, conversaram sobre inúmeras coisas, beberam e após lavarem toda a louça, decidiram caminhar brevemente, pois naquele horário o sol estava escaldante. Andaram próximos à casa, sem entrar nas plantações. Rosandra estava encantada com o verde que os rodeava, era tudo o que mais estava precisando.

Ao voltarem, o casal foi para a sala e Wagner foi para seu quarto preparar sua mala, pois viajaria para um trabalho, deixando sua casa aos cuidados de seus hóspedes. Deixou sua mala em um canto do quarto e seguiu para o novo quarto, ao fundo do corredor. Com máxima cautela, trancou a porta e deixou tudo organizado, de forma que ninguém visse nada, 

Seguiu para a sala e juntou-se ao Henrique e sua esposa. Ficaram por ali o restante da tarde, conversando, assistindo algo que passava na televisão.

Por volta das 16h00, o senhor Wagner os chamou para ir até a lavoura. Rosandra e seu marido se animaram de imediato. A esposa foi até seu quarto e pegou os chapéus de palha. Entregou um para seu marido e vestiu o seu. Antes de seguirem uma longa caminhada, tomaram café feito na hora. Henrique amava o café de seu amigo. Comeram um gostoso bolo de fubá e seguiram para a lavoura. Quando estavam se aproximando, Wagner começou ficar nervoso, tenso, mas disfarçava o quanto podia. Rosandra já havia notado.

Wagner foi mostrando cada plantação que havia, eram todas muito bem cuidadas, Henrique estava se sentido orgulhoso de seu amigo, já que sempre ouvira dele que sonhava em ser um fazendeiro.

Enquanto caminhavam, a moça seguiu em frente pensando que fossem conhecer o outro lado, mas foi parada pelo homem, a impedindo de continuar.

— Pra lá não está pronto, tem muita coisa para fazer, não tem nada de interessante. - disse ríspido sem perceber e voltando-se para o outro caminho.

Naquele instante Rosandra constatou que havia algo de errado, decidindo que investigaria mais tarde. Acenou para Wagner e o seguiu. Todo momento era vigiada por seu anfitrião, com olhar suspeito, com medo, a deixando cada vez mais inquieta. Caminharam até o pôr do sol e voltaram para a casa, Wagner iria se preparar para a viagem. Explicou tudo o que era necessário até ele voltar, enfatizando sobre o celeiro.

—  Não é necessário ir lá, já deixei tudo em ordem e os animais terão alimento até o dia de minha volta, não se preocupem. E não vão para o outro lado das plantações, essas são as orientações. - respondeu suando frio, tentando se disfarçar.

— Tudo bem, meu amigo. - respondeu Henrique, ingenuo.

— Entendemos. - falou Rosandra planejando em sua mente o que faria.

Wagner foi até o recente quarto para averiguar e saiu, esquecendo-se de trancar a porta. Levou suas malas até seu caminhão de porte pequeno.

Mas antes de ir, deu a desculpa que queria despedir-se de seus animais, indo até o celeiro, pedindo que o casal esperasse ali mesmo.

Ao entrar, finalizou sua tarefa, indo até o lado não concluído de sua lavoura. Deixando o que havia preparado no celeiro. Voltou logo em seguida, às pressas.

Abraçou fortemente seu amigo, agradecendo sua visita. De Rosandra, despediu-se apenas com um aperto de mão, a agradecendo também. Pegou sua mochila e seguiu para seu transporte.

O casal seguira de carro até o portão devido o longo caminho. Wagner seguiu rumo estrada e o casal voltou para a fazenda. Rosandra imediatamente desabafou tudo o que estava em sua mente, desde sua desconfiança até sua ideia de investigar. Henrique, claro, não concordou, pois tinha total confiança naquele senhor solitário. Rosandra mostrou seu ponto de vista e para agradá-la, seu marido fingiu acreditar, porém, com a condição de que iriam ao celeiro no dia seguinte. A esposa bufou e ficou em silêncio.

Henrique estacionou o carro, beijando sua amada. A noite estava bela, com o céu extremamente estrelado. Henrique parou, dando um longo selinho.

Saíram do carro e foram para a casa. O marido foi pro banho para prepararem a janta juntos. Rosandra foi em direção ao quarto novo. Girou a maçaneta e constatou que estava destrancada, abrindo a porta devagar. Ao abrir, arrepiou-se com a visão do cômodo. Fechou a porta e voltou para o quarto às pressas, implorando para Henrique acompanhá-la. Vestiu a primeira roupa que viu e a seguiu. Assim que entrou, assustou-se, se desesperando, acreditando, finalmente, em sua esposa.

Antes de dizer algo, foi puxado. Com passos acelerados seguiram para o celeiro, que conforme se aproximavam, sentiam um cheiro incômodo, mas suportável. Henrique não estava preparado para ver o que tinha dentro, então deixou que Rosandra, já acostumada, entrasse.

Henrique a beijou em sua testa e sentou-se ao lado da entrada, tremendo. Rosandra com muito esforço abriu a imensa porta. 

Ao entrar olhou cada detalhe com muita atenção. Os animais a encaravam com curiosidade. Estavam todos bem, de fato havia alimento até o dia da volta de Wagner, mas alguns necessitavam de cuidados médicos. Rosandra caminhou até o outro lado do celeiro, observando atentamente. Em um amontoado de palha, viu um pequeno objeto reluzindo sob a luz da lua. Se aproximando, viu que era um alicate, porém assustou-se quando notou sangue fresco na ferramenta. Um lampejo em sua mente fez lembrar da advertência para não ir ao outro lado das plantações.

Segurando o alicate, saiu às pressas, indo em direção ao seu marido.

— Encontrei isto lá dentro, é sangue fresco! - mostrou para Henrique.

Os dois fecharam a porta do celeiro e caminharam até as plantações. Minutos depois, estavam onde Wagner considerava limite para seus convidados. Em um primeiro momento não havia nada de estranho. Até olharem com mais atenção e verem algo novo por ali.

Algumas áreas estavam secas. Um pequeno pedaço em específico estava com terra nova. Nesse momento Henrique se desesperou, implorando para irem embora, mas Rosandra quis continuar e seguiu. Seu marido parou onde estava, não daria nenhum passo a mais.

Iluminando cada centímetro, a mulher foi caminhando em direção ao que foi colocado sem eles perceberem.

Em aproximadamente vinte e cinco metros, Rosandra notava algo que não havia quando chegaram. O cheiro vinha naquela direção. Ela continuou caminhando e iluminando ambos os lados.

Ao se aproximar, notou que era um espantalho, mas não qualquer um. Foi feito com cadáver. Quando Rosandra estava frente a frente, pisou em algo gosmento e ao iluminar, percebeu que era um olho, do qual estava faltando. Às pressas, ela correu em direção ao seu marido desesperada, em pânico. Explicou o que encontrou e entraram. Henrique chorava com medo, decepcionado, não conseguia acreditar que seu melhor amigo era um monstro.

— Liga para a polícia enquanto eu olho as coisas dele! - ordenou ao seu marido.

Aos prantos correu em direção a sala, diretamente para o telefone.

Henrique explicou com os mínimos detalhes sobre o ocorrido, totalmente desesperado. A viatura seria enviada em até no máximo uma hora e meia, devido à distância da fazenda. Ao terminar a ligação, foi em direção ao quarto de seu amigo. Na janela, puderam ver o caminhão no portão, Wagner havia voltado e buzinava algumas vezes. Se entreolharam e rapidamente arrumaram as coisas.

Rosandra seguiu para o portão enquanto Henrique continuava arrumando as coisas.

— Esqueci documentos importantes, sorte a minha estar perto daqui. - disse esperando o portão ser aberto.

— Sorte mesmo. - respondeu, Rosandra, sem jeito.

— Cadê Henrique?

— Está lá dentro se organizando para fazermos a janta. Prefere ir de carro? - perguntou tentando não pensar na descoberta daquele homem.

— Uma carona seria ótimo, me adiantaria muito.

Então seguiram de carro. Rosandra dirigia lento para dar tempo de seu marido esconder os vestígios das descobertas. Wagner notou.

— O motor está estranho, de repente ficou ruim e o carro está lento. Amanhã arrumaremos.

Chegaram alguns minutos depois. Wagner saiu imediatamente. Não havia esquecido nenhum documento, apenas queria saber se estava tudo em ordem, inclusive seu novo espantalho.

O senhor entrou primeiro que Rosandra, indo direto para o novo cômodo. Notou que a porta estava destrancada, porém, lembrou-se que devido a sua pressa, se esqueceu de trancá-la. Tudo em ordem, seguiu para seu quarto, que também estava tudo como havia deixado.

Aliviado, voltou para a sala e com cautela, olhou ao seu redor e suou frio quando encontrou seu alicate na mesa de centro. Saiu às pressas em direção ao celeiro, mas ao se virar, foi agarrado por Rosandra, que tinha experiência em artes marciais, o prendendo até a chegada da polícia.

Em seu depoimento, confessou sobre o espantalho, indicando onde estavam todos os outros que havia colocado em sua lavoura.

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