Novo Vizinho

Apenas três dias que o moço se mudou e já percebo atitudes estranhas vindo dele. Curiosa como sou, decidi investigar por conta própria.

Ele já começa logo cedo, às 06h00. Levantei com muito esforço às 05h00 para me preparar, então me levantei, tomei meu banho, preparei o café e depois de tudo organizado, me sentei em frente à janela que dá de frente para a casa dele. Com caderno e caneta, fiquei na espera. Ele era pontual, então fiquei assistindo qualquer coisa na televisão até o horário, que parecia nunca chegar. Olhava para o relógio com a ansiedade aumentando cada vez mais, até que na próxima checagem, o ponteiro estava marcando o horário tão aguardado. Desliguei a televisão, posicionei minha cadeira de maneira que ele não me visse. Logo saiu.

Sempre com expressão de cansaço, parecia estar ansioso, preocupado. Segurei meu caderno e caneta, comecei a anotar.


  • 06h00: coloca dois sacos de lixo (nesses três dias foram exatamente dois) ao lado de sua lixeira, analisa o movimento da rua com muita paciência (por quê?) e após certificar-se de algo, ele volta para sua casa às pressas, saindo minutos depois em seu carro.


Deixei meu caderno de lado após ele sair, sempre saía devagar, como se observasse a vizinhança. Enquanto o esperava, fui para as minhas pendências e primeiro foi  a faxina, começando por meu quarto, seguindo até a sala. Durante a limpeza, escutei o som do carro e às pressas segui para a sala. Sentei na cadeira e anotei:


  • 06h20: chega e deixa o carro para fora, saindo com uma sacola (parece ser de padaria) e olhando para os lados antes de entrar.

(Sempre olhando com muita atenção, isso é estranho)


Esperei até que entrasse, que logo o fez. Voltei para as minhas tarefas, mas sempre atenta, já que o carro dele era o único barulhento da rua.

Foquei nas minhas coisas, finalizando a limpeza por volta das onze, pois minha casa é pequena, não tenho muito trabalho para cuidá-la. Fui preparar o almoço, pois eu tinha compromissos. Fiz pouca coisa e logo já estava pronto. Segui para o banheiro, tomei um relaxante banho e me arrumei, colocando uma roupa formal. Por último, arrumei o cabelo.

Almocei e logo saí, queria resolver algumas coisas quanto antes, já que, de certa forma, eu estava em uma “investigação”. Após almoçar, liguei para meus clientes e meu secretário, revisando o horário e local do combinado. Tudo certo, deixei as coisas na pia, peguei minha bolsa e papéis, segui para o carro.

Estremeci toda quando saí. Talvez seja coisa da minha cabeça. Antes de dar partida, dei uma breve olhada para tentar encontrar algo, mas nada, o portão trocado antes de sua mudança, era completamente fechado. Segui com o carro para meu compromisso. Terminei minha reunião por volta de uma e quarenta, despedi dos demais e fui embora.

Quando me aproximei de onde moro, vi o homem saindo de sua casa. Tento entrar o mais rápido possível e ao sair do carro, vou direto para a sala anotar.


  • 14h00: sai novamente com o carro.   (Desviou o olhar quando nossos carros se aproximaram)


Fui logo trocar de roupas e peguei alguns documentos que precisava ler para assinar. Aproveitei a leitura para ficar na janela esperando o retorno do vizinho. Ajustei a cortina para que ninguém me visse e comecei a leitura pensando que ele chegaria logo. Engano. Li as vinte páginas e ainda não havia chegado. Assinei os papéis e foquei em outras coisas não muito importantes.

Passaram-se quase quatro horas quando ele chegou. Logo fui anotar.


  • 17h00: Chegou dirigindo rápido, parecia estar apressado. Abriu o portão e sem esperar ser aberto por completo, entrou.

(Por que a pressa?)


Não se ouvia som algum vindo da casa dele. Após sua chegada, não saiu mais. Sabendo que não aconteceria nada que pudesse ser visto, resolvi me deitar e logo dormi.

Acordei cedo, pois iria trabalhar no escritório. Tomei meu banho, me arrumei e fui para a cozinha. Preparei um café forte, estava precisando porque acordei com a decisão de tentar descobrir o que acontece na casa do vizinho. Me sentei na mesa e liguei a tevê, gosto de tomar café com calma e me informar. Ao colocar no canal de notícias, me deparo com um aviso de que três mulheres estavam desaparecidas. Desapareceram no mesmo local, mas em dias diferentes, no parque da cidade. Suspirei fundo com tristeza pelas vítimas e terminei meu café. Deixei a cozinha organizada e peguei minhas coisas.

Quando abri o portão para sair, o vizinho estava voltando da padaria. Não o encarei, segui meu caminho.

Ao chegar no trabalho, antes de começarmos nosso turno, contei detalhadamente para eles. Alguns acharam que não havia nada de mais, outros concordaram comigo. Discutimos sobre outras coisas e iniciamos nosso trabalho. Meu turno seria até 12h00.

A hora parecia nunca passar, quanto mais eu olhava no relógio, mais o tempo parecia estar parado. Aproveitei para adiantar outros documentos e quando me foquei neles, deu o horário de ir embora. Cheguei em minha casa e fui preparar o almoço.

Almocei e fui descansar um pouco, logo daria o horário esperado. Me sentei no sofá, liguei a tevê, já colocando no canal de notícias. Mais uma vez aquele aviso, só que agora com uma informação importante, o carro do agressor: um gol. Só não informaram a cor, pois as testemunhas disseram que era uma cor escura. Logo pensei no carro de meu vizinho.

Então assisti todo o noticiário esperando ter novas pistas, afinal, era na minha cidade e o medo já me percorria. Coloquei em outro canal para distrair e quando notei, já marcava 13h59. Me levantei, desliguei a televisão e ajustei a cortina para observá-lo. Um minuto depois ele sai com o carro e com pressa.

Esperei um pouco para ter certeza de que ele não voltaria. Fui até meu quarto e coloquei uma roupa velha, que ninguém me viu usando. Antes de sair, peguei saco de lixo para fingir estar levando para fora, caso ele voltar. Olhei para os lados, coloquei o saco na lixeira e esperei por alguns minutos. Rua deserta. Peguei meu celular e avisei para meus amigos o que estava prestes a fazer.

Respirei fundo e caminhei para a casa dele. Portão menor destrancado. Entrei depressa e encostei, deixando da mesma forma que estava. A garagem estava completamente organizada e limpa, não havia nada de estranho. Segui até a porta, que também estava destrancada.

Ao entrar, era a sala, também organizada e limpa. Diria até que muito limpa. Na sala só havia um sofá e uma pequena estante com uma televisão menor. Mas o que chamou a minha atenção, foi o cheiro estranho que invadia toda a casa, um leve aroma de ferro. Antes de seguir adiante, eu liguei para meu amigo escutar tudo o que acontecesse. Conversamos brevemente, ele insistiu para que eu voltasse para casa, mas eu estava decidida e segui para o próximo cômodo.

Uma cozinha,  poucos metros maior que a minha. Possuía uma mesa e fogão pequenos. Não havia bagunça e nem louça suja. Parecia que ninguém havia usado há dias. Para me proteger, fui até o armário e procurei a gaveta de talheres, logo encontrei. Peguei a faca maior e a passos lentos, caminhei em direção ao corredor. O corredor era espaçoso, passava duas pessoas sem dificuldade. Somente ao lado direito haviam portas. Três portas. A cada passo o cheiro se intensificava. Automaticamente minha mão foi para a boca e nariz.

A primeira era o banheiro. Estava bagunçado, porém, limpo.  Algumas roupas jogadas no chão, escova de dente de qualquer jeito na pia, o chuveiro pingando devido a estar mal fechado.

Segunda porta: o quarto dele. Tão organizado, que era estranho. O mais estranho era ele ter escolhido o quarto de visitas como o principal. Logo saí.

Terceira porta. Antes de abrir, já senti o cheiro mais intenso, mais incômodo. Abanei com a mão, respirei fundo e abri a porta. Não sei se eu gritava, corria, meu corpo simplesmente paralisou, meu coração acelerou e minhas mãos tremiam agressivamente.

Entrei em transe com a grotesca cena que meus olhos testemunhavam a parede engolindo lentamente uma mulher pelos pés. Se debatia desesperadamente.

 Após alguns minutos meu raciocínio volta e sigo em direção à moça, tentando ajudá–la, mas escutamos o barulho do portão. Me desesperei e tentei algumas vezes. Sem  êxito.

Corri para o quarto dele e fiquei embaixo de sua cama, ouvi seus pesados passos seguindo para o quarto sujo. A porta foi fechada e um grito estridente surgiu. Silêncio. Esperei por um tempo, respirei fundo e sem pensar segui para o cômodo.

Antes de abrir a porta, segurei com firmeza minha faca e entrei. O ódio tomou conta de mim e sem hesitar o golpeei algumas vezes. A cada golpe eu fincava profundamente o instrumento nele. Tentava se defender puxando meu  cabelo, me batendo, mas suas forças se esvaíram conforme eu o atacava. Logo desmaiou. Ainda estava vivo.

Joguei minha faca no chão e com muito esforço consegui pegá-lo. Me equilibrei e logo o joguei para seu próprio monstro, que imediatamente abocanhou o homem, banqueteando-se com cada pedaço de sua carne. Sorri enquanto escutava o som molhado e quebradiço do mastigado. Nada era mais prazeroso de vê-lo sendo devorado por sua própria criação.

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