Acredite Se Quiser

Estava decidida a desmistificar aquele ritual. Estava exausta de ouvir tantas falácias, tantas mentiras.

A estrada estava vazia, passava poucos carros naquele caminho. A iluminação era quase nula, somente a luz da lua a guiava, mas o caminho era conhecido, então não teria dificuldade para chegar. A distância do local era de duas horas, já estava acostumada.

A breve viagem foi tranquila, calma, porém a possibilidade de revelar toda a verdade a deixava um pouco tensa, afinal, ninguém teve tal coragem. O perigo era nítido!

Logo viu a placa com o nome da fazenda da qual agora estava abandonada. Suspirou, olhou para os lados e desligou o carro pouco antes da entrada. Ficou no total escuro por alguns minutos refletindo seu ato. Desistir não era seu plano.

Ficou por um tempo de olhos fechados repassando mentalmente toda a sua ideia, se descuidar custava a sua vida. Respirou profundamente e abriu seus olhos devagar. Naquele momento, nem a luz da lua a acompanhava, ela estava completamente sozinha.

Nenhum resquício de iluminação, a escuridão a abraçava como se desejasse boas-vindas.

Seu corpo se arrepiou agressivamente.

Lentamente com a mão destra tateou o banco do passageiro para encontrar sua pequena mochila e segurou com firmeza, puxando para si. 

Tateou de novo, procurava a lanterna.

Ao encontrar, segurou imediatamente e puxou para fora acendendo na intensidade fraca, direcionando para o interior da mochila. Analisou item por item, queria ter a certeza que pegara tudo o que precisava. Fechou a mochila e pegou a chave de seu carro.

Abaixou a lanterna, queria se sentir acolhida novamente pela escuridão. Ficou por alguns segundos estática.

Segurou sua mochila e saiu do carro. Os sons perceptíveis eram de sua respiração, seus passos lentos e o farfalhar das árvores. Ela considerava aquele lugar o mais afastado que já conheceu.

Certificou o seu carro e seguiu o caminho para seu destino incerto.

Direcionou a lanterna para frente, segurando com força iniciando passos cautelosos. Tinha que caminhar por dez minutos até o portão principal. O caminho era tranquilo, sua atenção teria de ser redobrada quando chegasse no destino, pois o perigo estava lá.

Para se sentir mais segura, colocou a intensidade média da lanterna, caminhando sem pressa, não podia ser descoberta.

Enquanto andava, movia seu braço destro para algumas direções, iluminando toda a parte para se certificar. Estava tudo calmo, como sempre era aquele caminho, ali não havia muito com o que se preocupar.

Muitos diziam que o trajeto era protegido, mas ela nunca acreditou, sempre pensou que aquela calmaria era coincidência.

A cada passo sentia seu coração mais acelerado, seu corpo mais trêmulo, sua mente mais ansiosa. Ao mesmo tempo, sentia-se satisfeita, realizada. Seus passos agora estavam apressados e firmes, queria chegar quanto antes ao destino.

Breve silêncio.

Repentinamente ela largou a lanterna, mordendo seu lábio para não escapar o grito. Seu corpo tremia intensamente, temia ser descoberta antes de sua chegada. Não conseguia encontrar a lanterna, desligou na queda. Suas mãos percorriam a terra, procurando desesperadamente sua única fonte de luz. Seus joelhos se arrastavam nas pedras, provocando sensação de agulhas, mas o alívio logo veio junto ao encontro da lanterna.

Antes de iluminar para cima, algo bateu novamente em sua cabeça, a obrigando apontar a luz na direção que foi atacada. Um suspiro de alívio saiu em seus lábios ao notar que foi apenas um morcego assustado pela luz. Imediatamente desligou a lanterna e sentou nas pedras para se recuperar.

Com a escuridão presente novamente seu corpo voltava a relaxar, se acalmar. Quis ficar por alguns minutos, jamais se arriscar naquele lugar!

Recuperada do susto do pequeno voador, se levantou e ligou novamente a lanterna, já estava preparada caso fosse atacada. Deixou a lanterna no mínimo, direcionou à sua frente e seguiu. Caminhava atentamente com os olhos na estreita estrada.

O destino estava próximo.

Imediatamente ela desligou a lanterna. Ficou parada atenta a cada som para não ter novas surpresas, que naquele momento seriam muito mais desagradáveis. Olhou a escuridão ao seu redor. Tudo quieto, um sinal para seu avanço.

Antes de ir para o destino, posicionou a lanterna no chão para si, abriu sua mochila e retirou um objeto para se defender. Com a lanterna em mãos, seguiu caminho.

Cinco minutos depois estava de frente para a porteira. Quando tocou para empurrar, seu corpo arrepiou-se por completo, causando-he um frio angustiante. Não desistiu.

Quando finalmente abriu, uma voz feminina sussurrou:

Pense bem antes de atravessar a linha — disse a voz em um tom seco.

Pensou que fosse só a tensão do momento e deu de ombros para o que ouviu.

Finalmente estava do lado de dentro.

Fechou a porteira, deixando exatamente como estava. Agora a lanterna estava apontada apenas para baixo.

A partir daquele momento não queria deixar nada escapar. Pegou a mochila novamente e se arriscou trocando sua defesa por uma compacta filmadora, queria registrar cada passo.

A atmosfera mudara completamente, era mais densa e fria, causando um intenso incômodo.

Com poucos passos dados, ela já ouvia as pessoas. Risadas, conversas, cantorias… vozes.

Para um desconhecido, pensaria que era apenas uma festa. Mas para ela, era a reunião dos horrores.

Avançou, estava aflita de ficar sozinha.

Foi repentinamente puxada para trás, caindo na terra. Ao se posicionar para se levantar, começou ser arrastada em direção à porteira, como se alguém a expulsasse.

Com muito esforço ela se arrastou de volta, mas ainda sentia ser puxada. Alguém não queria a presença dela.

Silêncio.

Ela escapa após minutos de insistência. Seu corpo trêmulo tentava ficar em pé, sua mente tentava criar desculpas para a situação. Nada fazia sentido.

A cada passo dado, sentia sua respiração diminuir, a obrigando parar. Ela se ajoelhou com a mão em seu pescoço, puxando o máximo de ar que podia, sentindo seu corpo enfraquecer aos poucos.

Mas instantaneamente sua respiração voltou ao normal, trazendo um grande alívio.

Deixou a lanterna e filmadora no chão. Ficou quieta, sendo novamente abraçada pela escuridão, sentindo-se protegida. Mas logo se levantou ao sentir novamente uma mão.

Caminhou às pressas, iluminando desesperadamente todas as direções possíveis.

Ao mesmo tempo que o medo a consumia, ainda achava que era devido à tensão e adrenalina.

Sem olhar para trás, deixando sua imaginação de lado. Apenas seguiu adiante.

O ar ainda estava sufocante, mas isso não era motivo de desistência e sim de resistência. Continuou andando, iluminando o chão, com os olhos atentos.

Caminhou por um longo trajeto, parando atrás de uma árvore, perto da pequena casa de madeira, que próximo a ela, estava uma imensa fogueira inflamada com seus dois metros de altura. Ao seu redor, havia um círculo de pessoas. Todas sentadas e felizes.

Em seu pensamento, concluiu sua suspeita: nada de rituais, nada de sobrenatural. Sabia que nada disso existia.

Seu corpo foi se aliviando, acalmando, sua respiração ficando leve, mas o momento tranquilo foi interrompido com um grito.

Um grito feminino de socorro, de desespero.

Por impulso, devido ao susto, jogou a lanterna para longe, ficando completamente vulnerável à escuridão. Seu corpo tremeu, arrepiou. O medo começara a dominá-la.  O grito ainda pairava sobre o ambiente. Ela nunca havia presenciado nada nesse nível, o pavor estava estampado em seu rosto, não esperava por nada daquilo. Mas para ela, não significava estar relacionado ao sobrenatural.

Se apoiou na árvore esperando seu corpo se recuperar. Levou exatos dez minutos de espera e angústia, pois ainda se ouvia o grito. Seu corpo, agora recuperado, se posicionou de forma ereta e respirou fundo, tentando ignorar por um momento aquele som agoniante.

Antes de seguir, retirou a mochila de suas costas e vasculhou com a esperança de encontrar algo que forneceria luz, porém sem sucesso. Retornou a mochila para as costas e se abaixou para procurar a lanterna, andando com cautela e tateando a grama úmida. Nada de encontrar, agora teria de redobrar o cuidado.

Suspiros.

Com passos lentos ela avançava para o seu objetivo. Apesar da tensão, estava confiante, o momento era aquele.

O grito cessou.

De repente o ambiente mudou, estava mais tenso, o ar pesado quase a impedindo de respirar. Mas ela continuou.

Agora estava atrás da casa. Ouvia muitas vozes. O interior estava completamente iluminado, ao contrário do lado de fora. Naquele lado só havia uma grande janela branca com grades. Estava fechada, mas através do vidro dava para observar o cômodo, porém ela preferiu não se aproximar, analisou de longe.

Havia somente uma cama de solteiro. Estava arrumada. Não havia porta, então dava para ver quem passasse por ali, mas apesar das vozes, não houve nenhum movimento.

Seguiu caminho.

Com cautela prosseguiu em direção à fogueira. A cada passo e barulho era uma atenção. Não podia bobear naquele momento.

Conforme avançava, a escuridão ficava para trás, dando lugar à claridade da fogueira.

Antes de continuar, deixou sua mochila em uma árvore, entre os galhos acima. Afinal, menos peso na hora de correr era melhor para ela.

Estava ao lado direito da casa, encostada na parede analisando cada pessoa. Ela ainda não descobrira onde estava a pessoa que gritou. Suspeitou que viesse de dentro da casa.

Caminhou até encontrar alguma porta.

Quando se virou para a esquerda, quase foi descoberta, porém, foi mais rápida se escondendo. Duas pessoas estavam na porta. Conversavam sobre algo que a ela não conseguiu identificar.

Ficou encostada na parede tentando descobrir o assunto. Não conseguiu. Porém, um alívio sentiu quando ouviu as vozes se distanciando, estavam indo em direção à fogueira.

Suspirou aliviada.

Antes de seguir, se abaixou na grama e vasculhou a procura de um galho firme para se defender. Logo encontrou.

Segurando com firmeza, dirigiu-se até a porta. Abriu rapidamente e entrou no pequeno cômodo.

Era a sala. Pequena, suja e bagunçada. Muitos chinelos espalhados, algumas peças de roupas também. O sofá de couro branco estava intacto, limpo, com aspecto de novo.

Fechou a porta e respirou fundo.

Após a sala havia um pequeno corredor. Ao lado direito do corredor era a cozinha.

Pequena, desorganizada, com algumas panelas sobre o fogão que pareciam usadas. Na mesa, alguns pratos e copos sujos. A geladeira cheirava a podridão.

Voltou para o corredor e abriu a porta do meio. Era o quarto que ela viu pela janela.

A outra porta ao lado era o banheiro. Pequeno e sujo.

A última porta, que ficava ao fim do corredor, estava trancada. Ela preferiu não forçar e seguiu de volta para a sala.

Não conseguiu encontrar nenhuma pista para comprovar sua suspeita.

Antes de sair, se abaixou por alguns minutos, a porta tinha vidros, não podia se arriscar. Esperou alguns minutos.

Sem movimento.

Abriu a porta e saiu às pressas seguindo para o lado direito da casa.

Ali, o cuidado tinha de ser extremo. Mas agora com a adrenalina invadindo seu corpo, não queria esperar.

Na sua mão destra, o galho permanecia firme. Andou em direção às pessoas com passos firmes e apressados. Estava confiante de que desvendaria tudo.

Não havia ninguém na fogueira. O fogo estalava como se dissesse para ela ficar longe, mas não foi o suficiente. Filmou mais alguns minutos a fogueira e seguiu para a direita. Uma sensação estranha percorreu por ela.

Viu as pessoas amontoadas em uma mesa de pedra. Saiu da área iluminada.

Agora escondida na escuridão, deu zoom na gravação.

Arrependimento.

Seu corpo tremeu, arrepiou, seus olhos se arregalaram. O pavor estava ali. Sua suspeita estava completamente errada, era uma mentira em tudo o que acreditava, tudo o que defendia.

Suas mãos trêmulas dificultavam a gravação, sua concentração estava apenas no que acontecia à sua frente, mostrando a ela a verdade da forma mais brutal e cruel.

Seus olhos marejados indicavam crise de choro. Estava paralisada, seu corpo não reagia a nada.

Mas seu pavor aumentou quando uma canção se iniciou. Todos em sincronia. Para ela, o idioma era totalmente desconhecido, não entendia absolutamente nada, causando pânico.

Mesmo apavorada, avançou em direção a roda. Sempre com sua mão canhota apontada para frente, não queria perder nada.

Extasiada pela visão, apenas seguiu em frente, parecia estar hipnotizada. Seu caminhar agora era lento, desengonçado, apenas queria ir em direção ao ritual.

A moça que antes gritava e pedia por socorro, agora, flutuava desacordada.

Seus olhos testemunhavam o sobrenatural pela primeira vez. Tudo o que duvidou, questionou, estava diante de seus olhos.

Seu olhar estava vidrado naquela mulher. Era uma cena que não esperava presenciar, sentia-se cada vez mais atraída pela música, pela voz, pelo momento. Sua câmera continuava incrivelmente firme, direcionada exatamente na mulher.

Então se aproximou da mesa de pedra, encantada, sem mover seus olhos. Se ajoelhou come se ouvisse algum chamado.

Mas algo a despertou causando pânico e pavor: uma voz a chamou pelo nome. Ela olhou para os lados, procurando desesperadamente, mas ninguém a notou, ninguém se incomodou com sua presença.

Não esperava que fosse presenciar tudo aquilo, não esperava ser tudo real. O choque foi intenso, a deixando muito assustada.

 Imediatamente se levantou, desligou a câmera e saiu com passos acelerados. Não voltaria para aquele lugar, não olharia para trás.

Seguiu escuridão a frente sem se importar com a escuridão, a adrenalina lhe dava coragem o suficiente para enfrentar qualquer coisa. Apenas correu.

Quando aproximou da porteira, ouviu a mesma voz:

Você foi avisada… Não nos confronte, você não conhece o outro lado.

Ela atravessou a linha, fechou a porteira o mais rápido que pôde sem dar atenção para a voz.

Os dez minutos pareciam horas.

Tirou a chave de seu bolso e abriu desajeitadamente o carro, entrando rapidamente.

Trancou o automóvel e encostou sua cabeça no banco, respirando profundamente. Fechou os olhos e fez uma promessa:

Jamais duvidaria do outro mundo. 

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